Ricardo Carvalho Calero, nado en Ferrol no 1910, estudou Filosofía e Letras, así como Dereito. Activo militante da FUE, vinculouse de novo ao Partido Galeguista. Foi co-redactor do Anteproxecto de Estatuto da Galiza no 1931.
Diante do Golpe militar reaccionario do 1936, foi combatente con grao de Tenente no Batallón republicano Féliz Bárzana, caendo preso no 1939. No 1941 sairía do cárcere exercendo anos despois a docencia privada por estar inhabilitado para o ensino público.
Membro da Real Academia Galega desde 1958 e primeiro Catedrático de Língua e Literatura Galega no 1972, para alén de membro fundador da AGAL desde a súa creación no 1981, finaba en Compostela en marzo do 1990 deixando unha ampla obra poética, literaria e ensaística.
Apresentamos, desta volta, un seu texto arredor da proceso autonomista nos anos trinta do pasado século:
Comemoraçom do Estatuto Galego de 1936.
Os dados concretos, ponderáveis e mensuráveis, computáveis e numeráveis -horários, calendários, percentagens, estatísticas-, todo isso está nos livros, ou deve e pode estar, e mal poderia eu fazer hoje aqui, nos minutos que me som concedidos, rectificaçons relevantes ao meritório labor dos historiadores que tenhem reproduzido documentos ou sistematizado notícias sobre o processo estatutário da época republicana, dos tempos da Segunda República, aquel novo e falido intento de estabelecer em Espanha um regime de convivência democrática, que se desenvolve entre 1931 e 1936. Umha vulgarizaçom escolar dos acontecimentos que tal processo entranha, nom é tampouco tarefa que me resulte ajeitada, pois eu nom som professor de História nem tenho feito indagaçons gerais sobre o tema. Entendo que estou aqui para participar na comemoraçom que celebramos em qualidade de testemunha, e que o meu depoimento, se há de revestir algum interesse, deve manter-se dentro dos límites da informaçom sobre os feitos que presenciei, renunciando a manifestar-me mais que como um modesto espectador de acontecimentos que pode dizer algo dos mesmos por ciência própria, como assistente no pálio ou na plateia -ou no galinheiro, se queredes- no teatro onde se realizava a representaçom. Tenho participado nalguns combates, e sei bem quam parcial e estreita é a visom das batalhas de Waterloo ou Borodino que podem oferecer Fabricio Valserra ou Pedro Besukhoff, os quais desde possiçons individuais assistirom a elas ou nelas tomarom parte. Mas as testemunhas percebemos um ambiente e conhecemos um sentido da história que muitas vezes escapa à percepçom dos historiadores, obrigados a descrever a carreira da cavalgada histórica sobre a base exclusiva das pegadas dos cascos das quatropeias que galoparom ou trotarom sobre um solo que conserva só calcos deformados ou esvaídos do golpe poderoso do tropel fugidiço.
No processo estatutário dos tempos da República confluem duas correntes de pensamento político que tencionavam atingir umha concordância que lhes permitisse realizar-se parcialmente, mas efectivamente, leccionadas pola experiência ou ilustradas pola intuiçom que lhes sugería a impossibilidade de lograr umha plasmaçom perdurável se nom se concertavam limitando-se, se nom se completavam transigindo.
Eram duas correntes de importante tradiçom histórica, mas nunca plenamente calhadas, ou frustradas nos começos da sua realizaçom.
Umha era a expressom republicana do pensamento democrático e liberal, que se considerava incompatível coa situaçom política dominante a partir do deterioro do regime instaurado polo Marquês de Estella em 1923. Outra era a representada mais genuinamente naquel momento polo nacionalismo galego, cuja base cultural se remonta a Ilustraçom, e cuja concreçom sociopolítica -sempre precaria- reveste no século XIX as formas de provincialismo e regionalismo.
Na realidade, eram correntes paralelas e independentes. Ainda que, em princípio, a maior parte das forças republicanas aceitavam a fórmula federal -que segundo Castelar fora queimada em Cartagena, mas que conservava o prestígio teórico que lhe dera a austeridade política de Pi i Margall-, esse federalismo era centralista, se se me permite o paradoxo, pois contemplava-se como um ideal organizativo do Estado espanhol, e nom fundamentalmente como um método de recuperaçom -ou fundaçom- das liberdades essenciais de Galiza. Os nacionalistas pleiteavam co Estado, situavam-se numha postura dialéctica exterior ao Estado. Os federáis situavam-se numha posiçom dialéctica interior ao Estado, cuja forma queriam melhorar. O nacionalismo nom era umha forma de republicanismo. O federalismo nom era umha forma de nacionalismo. A verdade é que, apesar de algumhas individualidades em que parecía realizar-se a síntese, uns e outros olhavam-se como estranhos, cando nom como adversários. Encarna esta situaçom nas relaçons tensas que existirom sempre entre as mais sobranceiras figuras de cadanseu grupo no momento que estamos a considerar: Afonso Rodríguez Castelao e Santiago Casares Quiroga.
Mas estes republicanos vagamente federais e estes galeguistas vagamente republicanos forom arrastrados a um entendimento mais ou menos profundo pola força das circunstâncias. E assi, tendo os segundos colaborado na destruiçom da Monarquía, os primeiros achavam-se obrigados a repudiar o centralismo, que se ligava ao poder da Coroa, e a reactivar o federalismo de tradiçom pimargalliana. De jeito que uns e outros parecíamos luitar conjuntamente pola República Federal.
Assi, cando, advido o novo regime, Tobio e mais eu nos pugemos a trabalhar na biblioteca da Faculdade de Direito -neste mesmo edificio- na redacçom de um anteprojecto de Estatuto de Galiza, começamo-lo com esta declaraçom: “Galiza é um Estado livre dentro da República Federal Espanhola”. Dávamos, pois, por descontado, nom já que a República ia ser federal, mas que a República era federal, e que a ordenaçom constitucional encomendada a umhas Cortes ainda nom reunidas, nom ia alterar esse feito, senom articular, regulamentar esse feito, que, como a forma republicana de governo, era um postulado estabelecido pola revoluçom pacífica -pacífica, mas revolucom- o 14 de Abril triunfante.
Mas a República nom foi federal, e o nosso Estatuto, que, como alguns diziam, impunha ao Estado umha forma que só o Estado podía dar-se, resultou inviável, e foi preciso ajeitar-se aos limites do Estado que os constituintes estabelecerom.
Por iniciativa do Ajuntamento de Santiago, reunirom-se neste Paraninfo os representantes dos Concelhos galegos que tiverom a bem concorrer, o dia 3 de Julho de 1932 para pôr em marcha o parcimonioso e escrupuloso procedimento que a Constituiçom exigia para que um território se organizasse como regiom autónoma. Eu, licenciado em Direito desde o ano anterior, na primeira promoçom de juristas da República, sentava-me num desses bancos, e estou vendo o Secretário da Comissom Organizadora, o meu antigo professor de Direito Civil, dom Henrique Rajoi Leloup, dirigir-se ao alcalde da minha cidade natal, dom Jaime Quintanilla Martínez, para invitá-lo a presidir a mesa, “traiçom agarimosa”, como a calificou este -porque nom precedera, ao parecer, consulta co interessado- no seu discurso de graças à Assembleia.
Cando a Comissom de técnicos designada publica, para conhecimento da opiniom, o texto que redigira, eu apresentei umha emenda ao artigo 8°, por estimar que tal como saíra das maos dos seus redactores, estabelecia para a designaçom da Junta de Galiza umha ineficaz combinaçom de presidencialismo e parlamentarismo, técnicamente rejeitável. A minha emenda, que coincidía, ao parecer, com outra apresentada polo Grupo Radical Socialista de Vigo, foi aceitada, e aquela designaçom ficou ordenada conforme os cánones de um sistema parlamentário puro.
Este Anteprojecto foi apresentado à Assembleia que se celebrou no Paraninfo ou Salom de Actos da Faculdade de Medicina os días 17, 18 e 19 de Desembro, a que eu assistim com umha credencial de técnico. Esta Assembleia foi especialmente memorável polos debates, tumultos e retiradas a que derom motivo dous conflitivos pontos do texto preparado. Eram o ponto relativo a capitalidade e o relativo à língua oficial. A Ponência propunha que a capital de Galiza fosse fixada pola primeira Assembleia estatutária que no seu dia se reunisse. Mas dom Manuel Iglesias Corral, alcalde da Corunha, membro entom do Partido Republicano Galego, advogou pola tese de que nom havia lugar a deliberar sobre esse estremo, pois Galiza contava já com umha capital, que era a cidade cujo Ajuntamento o orador presidia.
Na outra questom mencionada, a da oficialidade lingüística, o momento crucial atingiu-se num brilhante duelo dialéctico entre dom Santiago Montero Díaz e dom Alexandre Bóveda Iglesias. Montero, daquela Bibliotecário da Universidade, era membro da Ponência, e em nome da mesma respondera breve e repetidamente a alguns assembleístas sobre pontos de menor interesse. Todas estas intervençons as realizava em língua galega, até o ponto de que um assembleísta que nom o conhecia, se dirigiu a el designando-o como representante do Partido Galeguista. Todos os membros deste Partido que, como deputados, técnicos ou pessoeiros dos Concelhos, estávamos presentes naquel acto, nos dirigíamos sistemáticamente aos nossos colegas, quer dizer, aos assembleístas, na língua do país, e isto explica a confusom do interlocutor de Montero. Mas havia outras muitas pessoas que empregavam naquela ocasiom a mesma língua que nós. É o caso do Presidente, dom Bibiano Fernández-Osório e Tafall; o alcalde de Santiago, dom Raimundo López Pol; o deputado dom Antonio Villar Ponte, o meu chorado companheiro de carreira dom Vítor Martínez Rodríguez, todos eles afiliados ao Partido Republicano Galego; ou dom Francisco Rei Barral, radical socialista. O galego que Montero empregava era vacilante e pobre, mas isso mesmo parecía sugerir um neofalante entusiasta que, apesar das deficiências da sua linguagem, se obstinava por motivos ideológicos em defrontar as dificuldades. Assi, causou surpresa que, cando se tocou o ponto relativo a cooficialidade das duas línguas, galego e castelhano, estabelecida no artigo 4 da ponência, Montero, defendendo um voto particular, pronunciasse um longo e magnífico discurso em excelente castelhano propugnando a exclusividade desta língua como oficial em Galiza.
O discurso foi mui aplaudido. Eu achava-me a pouca distância do estrado onde se assentava a mesa da Presidência, e nom longe daquela da Ponência. Mui perto de mim estava Álvaro de las Casas, dissidente do Partido Galeguista que estremava a linha anticastelhanista e que, como outros dos presentes, protestava ruidosamente qualquer manifestaçom que se reputasse antinacionalista. Creio lembrar que a suave elocuçom do meu paisano Montero e o comedimento formal da sua intervençom conseguiram que fosse escuitado sem tumultos. Dom Manuel Lugris Freire, que era membro da Ponência, pediu a palavra; mas convenceu-se-lhe de que deixasse falar a Bóveda, quem pronunciou um grande discurso defendendo o ditame. Emocionou e convenceu á Assembleia, que ratificou o critério da Ponência. Este discurso, e o que mais tarde pronunciou sobre o título III do projecto, relativo á questom económica, figerom de Bóveda a figura estelar da reuniom. Montero Díaz renunciou ali mesmo à sua condiçom de membro da Ponência e retirou-se espectacularmente do salom, manifestando que nom podía continuar colaborando na redacçom de um Estatuto que nom aceitava o castelhano como única língua oficial de Galiza.
Daquela Assembleia saiu o projecto de Estatuto que havia de ser plebiscitado, projecto aprovado maioritariamente. Mas, como é sabido, as reticências do Governo para ditar o Decreto indispensável, a reacçom perante aquel das forças políticas conservadoras e, afinal, a dissoluçom das Constituintes e o triunfo das direitas nas eleiçons, obrigarom a adiar o projecto. Só depois do triunfo da Frente Popular nos comícios de Fevereiro de 1936, foi possível ressuscitar a ideia do plebiscito. Numha reuniom de Deputados e Compromissários que se celebrou no palácio das Cortes o 8 de Maio, e na qual eu -o mais novo dos presentes- actuei de secretário, acordou-se reactivar o processo estatutário. Eu figuro tamém na lista dos concorrentes a umha reuniom celebrada nesta cidade o 17 do mesmo mes, e em que se decidiu que o Comité Central de Autonomía se pugesse de acordo co Governo para fixar a data do plebiscito conforme ao Decreto de 27 de Maio de 1933.
Enfim, o 28 de Junho de 1936 realizou-se o plebiscito. As cifras oficiais suponhem umha concorrência às urnas do 75 por cento dos eleitores censados, e um número de votos afirmativos quase igual ao de votantes: 1.000.963 e 993.351, respectivamente. Só 6.161 eleitores aparecem votando nom; e 1.451, em branco.
Se comparamos estes dados e os relativos à plebiscitaçom do Estatuto vigente, ficaremos estupefactos, e induzidos a crer que a opiniom autonomista era muito mais pujante em 1936 que em 1980. No entanto, tal conclusom seria errónea.
Eu nom fum observador directo do desenvolvimento do plebiscito de 1936. Poucos dias antes do assinalado para a votaçom tivem que sair para Madrid a fim de participar numhas provas que, a superá-las, me converteriam em professor oficial. Aínda que superei aquelas provas, nom pudem regressar ao meu país até cinco anos mais tarde, e em quanto ao meu ingresso efectivo no professorado oficial, nom se verificou até trinta anos depois. Achava-me em Madrid, portante, cando se plebiscitou o Estatuto, e cando os comissionados galegos o entregarom ou apresentarom às Cortes e ao Presidente da República. Mas é evidente que as cifras oficiais nom forom fiscalizadas pola oposiçom, que estava mui ocupada nos seus cadros superiores em preparar os acontecimentos que se produzirom a partir do 17 de Julho, e que nom via com bons olhos o Estatuto. Este, em meio da hostilidade ou a desconfiança das forças da direita, agás as que se consideravam ‘direita galeguista’, contava esta vez, com diferença ao que ocorria em 1932, coa aquiescência dos cadros de mando de todos os partidos inclusos na Frente Popular. Sem apoderados nem interventores adversos, ninguém impugnou as actas que chegarom ao Comité Central da Autonomía de Galiza, que o 5 de Julho de 1936 certificou a aprovaçom do Estatuto por mais das duas terceiras partes de eleitores censados. Assi que, oficialmente, a presença de eleitores galegos favoráveis no plebiscito de 1936 foi aproximadamente a mesma de abstencons -quanto a percentagens- do plebiscito de 1980, que autorizou o Estatuto vigente. É de notar que nas eleiçons a deputados a Cortes de Fevereiro de 1936, o número de votantes galegos nom sobrepassara o 69 per cem, mentres que as actas do plebiscito de Junho apresentam-nos um 75 por cento.
O Partido Galeguista, que dinamizara todo o processo, empregou os afiliados disponíveis na propaganda. Eu participe! nela até o dia em que abandonei Galiza para trasladar-me a Madrid. De jeito que nom intervinhem na votaçom do plebiscito.
Este é o testemunho sumario que podo acarretar à comemoraçom do cinqüentenário. É para mim umha honra que haja quem me considere digno de ocupar para esses efeitos esta tribuna, tanto mais quanto que este ano celebro pessoalmente o sexagéssimo aniversário do meu ingresso nesta Universidade, de que fum aluno e de que ainda me considero professor.
Carvalho Calero, Ricardo, Do Galego e da Galiza, Compostela, Sotelo Blanco, 1990. pp.141-147